terça-feira, 3 de novembro de 2015

A escola não pode ser maior que a vida

No dia 24 de outubro a Casa Escola participou de uma aula aberta promovida pela  UNIRIO. O Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil (Cedei), em parceria com o Fórum Permanente da Educação Infantil do Rio de Janeiro (Fpei-RJ), promoveu essa aula  com o tema: Infâncias Brasileiras do campo, da cidade, da floresta: quais projetos de educação infantil, quais espaços, quais pedagogias?  O evento aconteceu no Memorial Getúlio Vargas.

Os convidados foram: Peterson Rigato da Silva, diretor de creche e pré-escola da rede Municipal de Educação Infantil de Piracicaba;  Márcia Ramos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e Léa Tiriba, da UNIRIO e da Fpei-RJ.

Essa aula/encontro foi muito potente, pois nos colocou diante de práticas distintas, que apesar de acontecerem em contextos diferentes do nosso nos é muito familiar, pois fala do desejo de não repetir um modelo no qual não nos identificamos.

Peterson nos mostra sua experiência em deixar as crianças mais livres em um ambiente preparado para elas. Um espaço aberto onde elas podem brincar com terra, ficar só de calcinha ou cueca e se lambuzar na lama, na tinta e na luz do dia. Um contato com o ambiente fora da sala de aula, apesar de ser uma creche convencional.

Marcia Ramos nos tocou com sua força e certeza ao afirmar que a escola que temos não é a escola que o MST precisa/quer. Uma escola que não aceitou a matrícula das crianças que estavam no assentamento por não terem endereço fixo já exclui logo de início tirando todas as chances daquelas crianças estarem na escola. Todas as chances?
Marcia mostrou que não, pois foi através dessa atitude que o MST refletiu sobre que escola eles queriam. 
Na escola do MST o estudo e trabalho caminham juntos. As crianças estão o tempo todo conectadas com a terra, com a luta, com a transformação social, logo a escola fala disso o tempo todo.
A Pedagogia do MST se pauta em três eixos: A escola dentro da realidade do Movimento (" A Escola não pode ser maior que o movimento"); O viés contra hegemônico (fazendo a luta por escola, por terra e por dignidade) e a aproximação com outros movimentos sociais (parceira com os Pioneiros de Cuba)
Eles tem três referências no processo da luta pela educação das crianças: Jornada dos Sem Terrinha; Ciranda Infantil e a Luta pela Educação Infantil nas áreas de assentamento e acampamento.
A infância no MST é pensada e discutida a partir da sua realidade, da luta pela terra, da negação da educação capitalista, das dimensões de uma infância que não está separada das relações sociais, da luta por escola e condições de moradia.

Marcia falou várias vezes: "Queremos escolas sim, mas não essa que está aí!"

A professora Lea Tiriba apresentou parte de sua pesquisa numa aldeia indígena brasileira. O mais interessante de sua apresentação foi ver que tem muita semelhança com a prática do MST, que é não aceitar um modelo universal para um território tão específico. Os indígenas precisam de creches, mas não a creche que foi criada para atender o operário. Eles precisam de um espaço que agregue seu território e sua cultura. Seus rios, estradas de terras e noites com estrelas precisam estar contemplados no dia a dia das crianças.
Ela reflete sobre a necessidade de entendermos que o paradigma não é universal. Que apesar da colonização cotidiana e atual precisamos "buscar o que está submerso, o que sobreviveu e não foi subordinado e escapou à lógica objetivista hegemônica."

As comunidades educativas indígenas, onde os adultos não usam da hierarquia geracional para impor suas regras, onde as educadoras ouvem o ritmo do menino que quer pular no rio, onde a criança não é apresentada aos limites através da palavra dura e sim através de contos, lendas e histórias da sua rede familiar, essas comunidades educativas não podem ser substituídas por espaços escolares hegemônicos e padronizados. 

Lea, assim como Marcia, falou de uma experiência rica e possível, de uma realidade que era para ser conhecida por todos os brasileiros, pois nosso território é extenso e com ricas experiências. 

Não precisamos ficar limitados a aprender pedagogia de um único ponto de vista. Poderíamos ter em nossos cursos uma cadeira de educação indígena, educação no campo e mil e uma possibilidades. Cada realidade grita por uma escola que respeite seu contexto, sua história. O aprendizado só faz sentido quando está dentro da vida de cada um. As crianças tem muita coisa para nos ensinar, os rios, os anciões, as árvores, os rituais, o tempo... podemos aprender muito com o que nos cerca. Mas como diz Lea, só conseguiremos isso quando "superarmos nossa obsessão pelo controle". 

Ficamos pensando muito em dois pontos: como não ser um adulto obcecado pelo poder e impor nosso lógica cotidianamente na rotina das crianças? Como fazer a escola e a vida caminharem juntas? A escola não pode ser maior que a vida, principalmente maior que a vida das crianças, quem sua primeira infância são incontroláveis na busca do novo, da pesquisa, da alegria. 
Esse é nosso desafio. 

Obrigada a essas duas mulheres fortes e corajosas que ampliaram nosso entendimento contando um pouco de suas trajetórias.




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