segunda-feira, 24 de julho de 2017

Qual seu projeto para uma educação antirracista?

Qual seu projeto para uma educação antirracista?

Essa pergunta iniciou nosso debate, no dia 10 de junho, na segunda Roda de Conversa promovida pela Casa Escola: “Reflexões étnico-raciais: Sobre infância e vivências em coletivo”.

Essa questão faz parte de uma reflexão importante sobre as relações étnico-raciais que já a algum tempo nos toca e mobiliza. Como não é um tema fácil, principalmente quando trabalhamos na educação infantil, buscamos ferramentas que nos auxilie nesse diálogo, e mais que isso, buscamos mudanças em nossas práticas.



Desde 2015 iniciamos um processo de diálogo sobre esse tema, após a entrada de uma família negra no coletivo e da convivência diária de uma criança preta em espaços de ocupação de maioria branca.



Atentos a isso disparamos diversos diálogos onde: discutimos os estereótipos impregnados ao povo negro (episódio da aparição de uma Nega Maluca na festa junina da CE); apontamos a necessidade de ter a representação do povo negro nos brinquedos e mundo infantil (bonecas, princesas,heroínas, livros); investimos em livros com histórias de crianças, e demais personagens, negros e com as histórias dos Orixás; fizemos uma apresentação da princesa Alafiá (com Sinara Rubia), seguida de roda de conversa onde discutimos temas diversos relacionados a negritude e sua negação no mundo branco, classe média, zona sul que estamos inseridos;participamos de atividades no Casarão dos Prazeres em parceria com o projeto Ocupa Escola; fizemos uma chamada específica para famílias negras participarem do Coletivo e outras famílias passaram a frequentar nossos encontros e realizamos a roda de conversa sobre relações etnico-raciais na educação infantil. 

 Seguimos planejando novos encontros e buscando referenciais que nos ajude a empretecer nosso conhecimento e descolonizar nosso curriculo.A roda de conversa faz parte dessa rede de estratégias para dar visibilidade a questão, a presença e a importância do povo negro no mundo atual, e especificamente, na realidade de nossas crianças. Para isso convidamos Shirley de Oliveira e Lua Costa para compor esse debate. Geisa Ferreira e Aline Valentim, mães da CE, educadoras, artistas e ativistas também trouxeram suas contribuições.

Aline Valentim iniciou com essa pergunta “faca no peito”: “Qual a sua contribuição para a prática de uma educação antirracista?!” Sim, porque precisamos nos posicionar!

A partir dessa indagação e de um texto da poderosa escritora nigeriana, Chimamanda Adichie, ela nos convida a pensar nos privilégios do povo branco e na sua insistência em falar em primeira pessoa mesmo quando o assunto não é a sua experiência. A ideia é abrir a escuta para o que o negro tem a dizer. Um exercício pouco feito nos distintos espaços que transitamos.

Geisa também traz uma pergunta:“Por que precisamos falar de relações étnico raciais?”

Precisamos porque RECONHECEMOS que há uma discriminação racial. Discriminação essa que legitima a diferença como algo negativo. Precisamos porque a representatividade do povo negro não é equanime em todos os setores da nossa sociedade.

Porque temos nossos corpos, nossos conhecimentos e nossos pensamentos COLONIZADOS. 

Existe uma desvalorização, desumanização e desqualificação, ou o não-reconhecimento simbólico das tradições, saberes e fazeres do povo afro-descendente. E nós da Casa Escola não queremos ajudar a manter esse cenário.

 Reconhecemos que construímos um projeto que vai contra a hegemonia da educação tradicional e não queremos reproduzir essa discriminação e as suas consequências em nossas práticas educativas cotidianas.

 Nessa perspectiva apresentamos os VALORES CIVILIZATÓRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCAÇÃO INFANTIL como uma estratégia de tirar do centro o modelo de educação eurocentrica que seguimos e mostrar que existe outros pensamentos e saberes nas margens.

Azoilda Loretto da Trindade, Professora universitária, supervisora da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro e ativista na luta contra o racismo, desenvolveu um trabalho construído sobre os “valores civilizatórios afro-brasileiros”. Essa ancestral afirmou que usar tal expressão é uma maneira de destacar a África, na sua diversidade. E que os africanos e africanas trazidos ou vindos para o Brasil implantaram, marcaram, instituíram aqui seus valores civilizatórios. Esses valores estão inscritos na nossa memória, no nosso modo de ser, na música, na  literatura, na ciência, arquitetura, gastronomia, religião, na nossa pele e no nosso coração.

Os Valores Civilizatórios são princípios e normas que corporificam um conjunto de aspectos e características existenciais, espirituais, intelectuais e materiais, objetivas e subjetivas, que se constituíram e se constituem num processo histórico, social e cultural. 

Trabalhar pedagogicamente, numa perspectiva afro-brasileira, convida-nos a criar!

Apresentamos, segundo Azoilda, alguns saberes, princípio e referenciais afro que podem ser implementados em nossas práticas educativas. São eles:

  • Axé - ENERGIA VITAL

  • ORALIDADE

  • CIRCULARIDADE

  • CORPOREIDADE

  • MUSICALIDADE

  • LUDICIDADE

  • COOPERATIVIDADE

  • MEMÓRIA

  • RELIGIOSIDADE

  • ANCESTRALIDADE

(Para saber mais sobre cada um acesse: http://www.acordacultura.org.br/sites/default/files/kit/Caderno1_ModosDeVer.pdf)

Continuamos o debate com Shirley de Oliveira, Professora de História e da Educação Infantil. Shirley contribuiu ampliando nossa gama de autores e personalidades negras que são invibilizadas nos espaços educativos. Contou sua história na perspectiva de mãe de duas meninas negras que estão em contato direto com o racismo nos diferentes contextos que transitam.

Lua Costa, integrante do Coletivo Nuvem Negra, nos contou sua trajetória de militância negra e envolvimento com a educação infantil através de trabalhos desenvolvidos em escolas públicas e coletivos parentais. Jovialidade e experiência compõem sua fala e com muita firmeza e seriedade nos apontou diversos assuntos delicados e necessários de serem debatidos.

A conversa teve vários momentos e tons, compartilhamos desde histórias pessoais até dados estatísticos, externamos nossos desejos e medos e nos comprometemos em transformar nosso projeto pedagógico em um documento vivo que se transforma conforme a nossa perspectiva se amplia.

Essa roda de conversa nos desacomodou, nos apresentou novos rostos, nos trouxe perspectivas outras, questionou o lugar de classe média branca que estamos inseridos e junto com ele privilégios que o povo negro não tem. 

Gostaríamos de construir uma prática pedagógica anti-racista, de empretecer nossas ideias, conhecimentos e práticas, de trazer o referencial do negro em todas as áreas possíveis para estar na Casa Escola, de conhecer, discutir e viver os valores do povo negro e apresentar a perspectiva africana como algo importante, apesar de invibilizada, contribuindo para ampliar nossos conhecimentos acerca da história do mundo que é eurocêntrica e naturalizada por tal fato.

Esse desejo nos mobiliza para dar continuidade a conversa com outros pares e a construir um espaço educativo que é atravessado de fato pelo seus integrantes e suas histórias.

Continuamos tecendo outras atividades e diálogos porque as inquietações são muitas e as perguntas vão abrindo outras perguntas. 

Compondo essa rede de estratégias temos também o projeto "Dança Afro em Família" idealizado por Aline Valentim (depois contamos mais!) e a próxima roda de conversa com o Filósofo Renato Noguera. 

Seguimos!