quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Casarão dos Prazeres, muito prazer!

Esse mês estamos com o visitador solto.  Semana passada fomos passar a tarde no Casarão dos Prazeres, um espaço cultural no morro dos Prazeres em Santa Teresa.

Infelizmente a região não anda nada segura ultimamente. Muito tiroteio aconteceu nas semanas anteriores e as crianças, que fazem atividades no Casarão e da creche ao lado, já ficaram algumas vezes sem poder sair, acuadas pelas balas durante o dia.





 

 Nossa cidade não tão mais maravilhosa assim. Quem vive aqui sabe bem as dificuldades para acessar alguns locais e a insegurança incessante que nos rodeia. Mesmo assim, aproveitamos uma "trégua" e fomos levar as crianças da Casa Escola para conviver um pouco com as crianças que passam a tarde lá desenvolvendo atividades no contra turno escolar.

Um casarão! Com janelas enormes, pé direito com muitos metros, chão de tábua corrida, escadas de madeiras e varanda ao redor de toda a construção. E a vista em 360 graus é: Maracanã, Ponte Rio-Niterói, Central do Brasil, Pão de Açúcar, Cristo Redentor e Morro dos Prazeres, Fallet e outras  comunidades próximas. A diversidade da cidade nos toma os olhos sem pedir licença. Nossas pequeninas crianças de repente estavam nesse cenário. Muito azul em torno delas. Céu sem nuvens. Casarão sem limitação.

A equipe de educadoras que realiza e coordena as atividades nos receberam muito bem. Entramos e ficamos ali no grande salão ouvindo música e rolando no chão. Sem prescrições foram nos recebendo e observando nossa chegada. Nada de imposições de regras ou formalidades exageradas. Tudo isso combinou muito bem com a curiosidade das crianças em entender a maquete do Casarão que elas podiam pegar e alegria em poder subir e descer as escadas. Sala de dança com piano, sala com acolchoado no chão e espelho, biblioteca com uma acervo ótimo, aula de música e dança. Tudo ali disponível para elas também.

Ficamos muito a vontade transitando nesses espaços conforme o interesse de cada uma. Fizeram um pouco de aula de música, acompanhando um coral de meninas entre 5 e 9 anos aproximadamente.  As crianças da Casa Escola viraram xodó de algumas meninas que queriam saber da onde éramos, quem era mãe de quem, qual  o nome de cada uma e mil perguntas engraçadas. Sempre tinha alguém interessado em nós. Uma receptividade muito gostosa.




A infância tem códigos muito simples de comunicação e afetos. Com um simples olhar ou um aperto de mão as relações parecem que sempre estiveram ali. As crianças do projeto nos acolheram com uma afeição muito sincera. Nos lembrou as práticas de vizinhança do subúrbio, das casas próximas, das comunidades, como essa que elas estão inseridas.

Pode faltar segurança e certeza de um dia tranquilo pela frente, mas não falta carinho e hospitalidade nesses espaços. Não falta generosidade pra ajudar a levar ao banheiro, pra dar informação que nem pedimos ou para compartilhar o lanche. As crianças são curiosas e amáveis demais.

As crianças da Casa Escola experimentaram, através desse deslocamento de território, um novo espaço físico, uma nova relação, outras cores de pele, outras texturas, outras aparências. Mas não se deram conta racionalmente de nada. O que queriam era aproveitar aquela energia, o teclado, a música em latim, a aula de ballet, o mato, a amarelinha enorme pintada no chão, o lanche de club social e guara vita, os livros desconhecidos, o olhar de uma educadora acolhendo sua chegada. Elas absorveram com os poros as diferenças do ambiente. Pra elas tudo é novidade e tudo é bom. Os olhos delas vão longe.

Ficamos felizes em ultrapassar essa fronteira sutil e tensa imposta entre o Morro  do Prazeres e o bairro de Santa Teresa. As crianças não percebem nada disso. Não sabem dessa relação que é fracionada pelo território, mas que poderia ser inteira pelos seus desejos. O encontro delas é superior aos limites impostos.


sábado, 24 de outubro de 2015

Uma tarde no quintal. Casa Escola vai ao Tear.


Uma tarde num quintal é um momento de muito prazer, leveza e alegria. Sendo assim, lá fomos nós numa caravana com bebês e crianças rumo à Tijuca, usufruir todas as delícias que o quintal do Tear tinha pra nos proporcionar.


A chegada foi uma delícia! Ficamos ali na varanda, esperando o grupo todo chegar. Nesse momento o querido "Intrometido", um  brincante/palhaço/educador/conversador, se encontrava com as crianças respondendo às suas curiosidades sobre o espaço e objetos.

Que casa era aquela? E aquele bicho no canto? Ah... uma carranca! Depois viram o São Francisco... e mil perguntas rolando. Apresentações feitas fomos adentrar o portão mágico. Que engraçado! Música, rebolado e mil palavras para fazer o portão abrir. E não é que deu certo? Pronto! Todos dentro e vários olhares e vozes nos esperando com canções e brincadeiras.

Começou uma dança de roda. Músicas conhecidas ao violão e palmas. Umas crianças já entraram no clima outras precisaram de um tempo maior pra se aproximar, outras só querem olhar... e  como respeitamos o tempo de cada um aos pouquinhos elas foram se integrando. Os bebês transitando e observando aquela magia inesperada. Uma surpresa fazendo a tarde deles totalmente diferente.

Depois dessa recepção fomos convidados a conhecer o quintal de fato, com suas árvores, horta, tartaruga, gongolos e abelhas. Quanta novidade! Silêncio para achar a tartaruga, senão ela se esconde. E olhar as abelhas, pode? Pode! Abelha brasileira sem ferrão! Chão molinho, buracos na terra, galhos, horta para regar e comer. Conhecimento colocando a mão na terra e cheiros no nariz.

Consideramos o quintal de uma riqueza ímpar e conhecendo nossos pequenos como conhecemos sabemos que se deixássemos eles ficariam a tarde inteira nesse pedacinho de chão cercado de vida por todos os lados.
A hora do lanche foi uma loucura! Elas estavam brincando de regar a horta e fizemos uma pausa pra comida. Uau! Estavam muito eufóricos com o espaço, com a música e com os educadores da casa. Tiraram a roupa, começaram a correr e gritar. Comeram pouco. Queriam era o quintal, correr, ficar descalças na terra.

Mil coisas ainda pra viver: tinha cama de gato feita com barbante, bacias com água de cheiro, construção de tapetes de folhas, massinha e contação de histórias no Pé de Livro montado especialmente para nós.

Uma delícia poder estar num ambiente como essa casa. Poder ter um violão acompanhado os caminhos, música para as passagens (quando uma criança estava descendo do banheiro e passou pelo portãozinho que leva para o quintal falou "pra passar aqui tem que cantar uma musiquinha`), sorriso e mão amiga dos educadores em cada momento. 

As crianças ficaram muito a vontade com todos os educadores e em cada espaço do quintal.  Queremos muito fazer mais encontros, frequentar mais essa casa, contribuir de alguma maneira para construir uma parceria com o que temos de concreto.

Acreditamos que a natureza e o olhar amoroso de um adulto é uma porta que possibilita um auto conhecimento e um conhecimento do mundo imprenscidível!

Ficamos muito felizes quando ao final da tarde uma das educadoras sugeriu que escrevessemos nossas percepções sobre esse momento e interação. Sim! É muito importante criarmos laços e parcerias a partir da conversa sincera e avaliação de nossas estratégias conjuntas. Agradecemos  de coração o acolhimento e a escuta de cada um dos educadores que proporcionaram uma tarde inesquecível para todos esses pequenos corações da Casa Escola!

E que venham novos encontros! 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Casa Escola e Creche Aberta

No dia 08 de outubro a Casa Escola participou da iniciativa Creche Aberta, uma articulação de atividades da semana das criança, na Creche Municipal Brincadeira de Criança, Morro da Mineira, Catumbi. 



O objetivo da inciativa é aproximar a comunidade e projetos que se interessem  pelo universo infantil e que possam disponibilizar um tempo para as crianças apresentando uma atividade durante um período do dia. Uma oportunidade de trocarmos experiências, ampliarmos nossa rede e conhecer uma realidade bem distinta da nossa.

Para o Coletivo foi uma experiência muito rica que trouxe muitas reflexões. Inicialmente queríamos levar as crianças da Casa Escola para passar a tarde na creche também, mas foi colocado que esse primeiro contato seria mais interessante que estivéssemos cem por cento disponíveis para as crianças da creche. Realmente isso fez toda a diferença, pois pudemos estar dedicados a elas para fazer esse primeiro contato e uma aproximação tranquila.

Nossa intenção foi conhecer as crianças e apresentar algum material que elas pudessem manipular e trocar conosco. Levamos manjericão, hortelã, alecrim, sálvia,canela, sementes, cola, papel craft, óleos essenciais com vários cheirinhos deliciosos.

Chegamos na sala e encontramos uma média de 18 a 20 crianças próximas aos 4 anos, sentadas finalizavam seu lanchinho pós sono da tarde. Ficaram tímidas, mas conforme nos apresentamos e fomos colocando as ervas e temperos elas se aproximaram e rapidamente se interessaram pela proposta. Algumas colocaram galhos de alecrim na orelha, outras comeram manjericão e juntas foram nos acolhendo e mostrando seus tesouros e segredinhos.

A sensação foi poder sentir o cheiro do alecrim na folha e depois no óleo essencial. Molhávamos um algodão e elas cheiravam. Umas gostavam, outras não, mas todas queriam colocar na mochila pra levar pra casa para mostrar para os pais. Depois começamos a colar no papel. Colar o papel no chão com fita e colar as folhas no papel foi uma atração a parte. As coisas mais simples para elas estavam ótimas. Criaram florestas com as folhas e terra com a canela, além das embalagens de isopor que viraram casinhas na colagem. Dançamos ao som da gaita, fizemos uma roda que virou uma cobra e nos despedimos. Muita alegria e gratidão nos olhares das pequenas crianças.




Na segunda turma fizemos o mesmo processo, mas ainda tivemos uma semente que solta uma florzinha que voa. Foi uma alegria. Sopramos as flores e de repente na sala tinha um monte de bracinho pra cima tentando alcançar  aquela penugem voando. Gritos e gargalhadas.

O cabelo liso de uma das mães do Coletivo foi o frisson nas duas turmas que visitamos. Foi só ela sentar no chão e as meninas começaram a passar a mão em seu cabelo, alisando e fazendo penteados.

As professoras e equipe pedagógica nos receberam com muito carinho e nos deixaram muito a vontade para propor as atividades. O encontro foi importante para nos conhecermos e mostrarmos nosso interesse em estar dentro dessa rede institucionalizada também. Nossas práticas se convergem no momento em que estamos nos dedicando às crianças e acreditamos que podemos, a partir disso, criar um diálogo e aprender com esse outro contexto.

Esperamos continuar esse encontro, conhecer as outras turmas e contribuir com nossas habilidades e carinho para as ações de troca que a creche propõe.
Depois de uma semana recebemos o retorno de Camila Fernandes, que nos colocou em contato com a direção da creche, dizendo que a equipe gostou muito de nossa participação e que as crianças também. Oba! Seguimos nos aproximando.
Semana que vem tem mais.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Casa Escola no Círculo da Infância - TEAR

circulo infancia dumont4A Casa Escola participou do Círculo da Infância 2015, nos dia 25 e 26 de setembro, promovido pelo Instituto Tear.
(http://institutotear.org.br/)

O Seminário contou com a participação da querida e inspiradora Lydia Hortelio que nos convidou a resgatar o "minino" que existe em  cada um de nós. A cultura da infância é a cultura da brincadeira, da alegria que deve estar conosco a vida inteira. Lydia nos contou um pouco da sua experiência com cultura popular e "mininos". Sua jovialidade aos 83 anos é contagiante, sua musicalidade e espontaneidade nos toca quando fala de sua jornada. Nesse encontro chamou nossa atenção para sua esperança, pois acredita que o sistema educacional como está não pode piorar. É um momento de virada e precisamos nos dar conta disso. Precisamos de uma pedagogia que abrace, precisamos rir mais, encontrar a alegria. Acredita que estamos desviados na rota e que precisamos achar o rumo certo. Precisamos entender que o Brasil é uma país da festa, mas uma festa que faça sentido, que diga sobre o seu povo e não um entretenimento fútil. Nas nossas festas estão as nossas raízes e nossa força, nossa ancestralidade negra e indígena.

O encontro também nos apresentou Gandhy Piorski (Ceará) que contou um pouco de sua pesquisa com objetos e sucatas, que viram brinquedos e obras de arte com a criatividade das crianças. Nesse trabalho pode consolidar seu pensamento que a criança deposita sua alma no que faz e no que diz. A brincadeira é muito importante para a criança porque ela brinca com todo o ser. Não dá para fazer uma criança brincar quando ela não quer, por exemplo. É um estado e não uma função.
Conversou sobre a importância da oralidade na infância, pois é uma potencialidade da audição colocar o que ouvimos dentro de nós e fazer reverberar em ações, imaginação e vida. A oralidade é muito mais que informação através das palavras, é herança afetiva, herança de valores. A oralidade exige encontro, comunicação.
Ele afirma também que o educador precisa ter uma coragem etnográfica para aprofundar e conhecer o que se vê na criança. Não dá pra ficar no superficial do encontro.
Acredita que precisamos aprender a ler a natureza e apreender a natureza. Precisamos mudar nossos hábitos e observar o que fazemos mais fácil. Geralmente o que fazemos mais fácil fazemos melhor porque já estamos habituados, acomodados. Precisamos observar isso e procurar outras maneiras de fazer, descobrir novos caminhos. Precisamos brincar. Redescobrir o menino que nos habita sempre.

Entre uma conversa e outra aparecia Vicente Barros com sua voz mansa apresentando uma brincadeira gostosa. Muita roda, contato corporal, ritmo com palmas e pés.



Finalizando a tarde ouvimos muitas histórias do Mestre Roquinho, um ser iluminado que vem de lá, segundo o próprio afirmou, do centro do mundo. Vale do Jequitinhonha. Uma mineirice brejeira que nos fez rir e chorar. Brincou de roda contando histórias e versos das senhorinhas e meninos que foi conhecendo ao longo da estrada. Em cada recanto do Brasil tem uma lembrança, uma cantiga, uma luta, uma aprendizagem. Em cada comunidade e escola aprendeu um pouco mais. Com muito riso e disposição passamos a tarde a girar.
Em sua fala veio uma convocação para que achemos o nosso menino e o façamos brincar.
Ele nos contou que em uma de suas viagens para o Amazonas passou por uma situação bem inusitada. Entediado de estar há 3 dias no barco descendo o rio na sua imensidão, sem conseguir dormir nas redes eternamente estonteantes foi até a proa da embarcação e resolveu tirar fotos do dia amanhecendo. Lá pelas tantas observa que estavam passando próximo a uma comunidade e percebeu um ponto na água. Foi olhando mais detalhadamente e viu que era um pequeno barco. Com mais atenção reparou que eram dois meninos entre os 8 e 10 anos. Pensou o quanto era perigoso aquelas crianças estarem naquele barco tão pequeno num rio que chegava a ter 14km de distância entre suas margens. Mas o mais estonteante foi observar que os meninos estavam fazendo gestos com os braços, como se estivessem chamando: "vem,vem". Ele achou aquilo estranho, mas era real. Os meninos seguiam acenando com os braços, "vem, vem".  E diante disso reparou que o barqueiro parecia virar o barco e fazer surgir três pequenas ondinhas naquela enormidade de rio. Os meninos então paravam quietinhos no barco e ficavam sentindo aquela marola balançar sua pequena embarcação. Nem levantavam pra fazer bagunça ou gritavam. Não. Apenas se concentravam e sentiam o balanço das ondinhas. A embarcação grande segue viagem, Roquinho continua tirando as fotos, até que na próxima comunidade ele vê a mesma cena: meninos em pequenas canoas, remando na direção da embarcação gigante e acenando com os braços o "vem, vem". O barqueiro chega pra perto e faz a mágica das três ondinhas. Depois de várias ele resolveu conversar com o barqueiro. Perguntou se ele estava fazendo aquilo de propósito, afinal a embarcação carregava mais de cem pessoas, toneladas de alimentos e os meninos eram muito pequenos pra estar sozinhos naquela situação. Para o seu espanto e alegria, o barqueiro respondeu que sim, afinal tinha sido menino nas margens daquele rio e sabia exatamente o valor daquelas três ondinhas. E afirmou que não eram todos os barqueiros que faziam isso não, mas ele não conseguia deixar de ouvir o chamado dos meninos: "vem, vem". Tinha sido menino que nem eles.
Roquinho com sua reflexão nos diz que nós enquanto, professores e educadores temos um monte de menino olhando pra gente e dizendo: "vem, vem..." E nós estamos ouvindo esses meninos? Precisamos antes de mais nada lembrar do nosso menino. Quando lembrarmos dos nossos sonhos, desejos e brincadeiras da infância vamos entender melhor os nossos meninos.

As palavras  mais faladas nesse encontro foram: "minino", brincar e natureza.
"minino" porque no interior do Brasil e no nordeste criança é "minino". Brincar porque é assim que  a criança se desenvolve. E natureza porque é ela que nos dá os instrumentos para fazer nossos meninos brincarem.

Viva a infância e a natureza!
Obrigada TEAR.