terça-feira, 24 de novembro de 2015

Subindo o Morro da Urca!

Nossas pequenas crianças fizeram a trilha do Morro da Urca lindamente! Na última vez que tinhamos ido à praia Vermelha elas passearam na pista Claudio Coutinho, subiram nas pedras, mas queriam fazer a trilha também. Infelizmente não fizemos porque não tinhamos nos organizado para tal aventura e porque já estava tarde. Mas prometemos que faríamos em breve. Promessa feita, promessa cumprida! O tal dia chegou.













Elas estavam radiantes e cheias de expectativas. As mais "velhas" começaram a subir em disparada, animadas e falando o tempo todo. Queriam ver o Saci e o Curupira a qualquer custo e esse desejo fazia com que elas quase voassem entre uma pedra e outra. Uma das meninas estava com vestido de princesa e no começo da trilha já percebeu que não ia dar certo aquela indumentária. Rapidamente mudou de roupa e alcançou os maiores que estavam lá na frente.

Não teve como subirmos em um único grupo, cada um estava imbuído de uma motivação e assim foram se formando ritmos distintos. Três delas dispararam e foram alcançadas já no final da trilha. Duas subiam e desciam procurando galhos, flores, olhando cogumelos e as duas menores com pouco hábito de andar muito tempo iam no ritmo mais lento, aproveitando o carinho do adulto paciente que as acompanhavam.

No final da trilha arrumamos um cantinho para fazer o lanche farto para saciar a fome garantir a descida. No lugar que paramos estavam organizando trator e carros com material de obra. Pronto! Outra diversão. Ficaram conversando com os trabalhadores e se deliciando em poder ver os tratores de pertinho.

Tarde de alegria, de descobertas e companheirismo. Lá em cima que foi meio tenso porque não é um ambiente preparado para receber crianças.  A murada é uma cerca com cabo de aço que passa uma criança tranquilamente. Essa cidade que é feita para adultos. Argh!

Mas tudo bem porque elas não estavam tão interessadas em ficar muito tempo lá em cima. Gostaram mesmo foi da trilha!
A descida foi tão gostosa quanto a subida. Inventaram jeitos de descer, se ajudaram muitíssimo, subiram em árvores, cantaram e fizeram trajetos de bumbum e de trenzinho. Tudo tirado da cabeça delas, ou melhor, do corpo delas. Elas que fazem o passeio se tornar maravilhoso.














Como construir uma cultura de diálogo?

No dia 11 de novembro a Casa Escola participou do encontro "Como construir uma cultura de diálogo? Reflexões sobre comunidade, construções coletivas, mediações e Justiça Restaurativa." Aconteceu no Museu do Ingá em Niterói. "Seminário conspirado por integrantes da Faculdade de Direito da UFF, do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD/UFF) e da empresa Social Contemporâneo com o objetivo de promover reflexões sobre a urgência no engajamento de uma cultura de diálogo, no desenvolvimento de formas não violentas e mais sustentáveis para abordagem de conflitos, inspirando um novo olhar sobre a atual política de mediação nos campo do Direito". 

O evento teve uma proposta bem interessante de fazer a discussão. Os convidados e participantes iniciavam o diálogo a partir de perguntas geradoras, em estruturas de “aquários” (com as pessoas organizadas em círculo). O objetivo era criar um espaço mais horizontal onde todas as experiências relacionadas a mediação de conflitos e transformação nas relações  pudessem sem trazidas e ampliadas e não apenas fazer apresentações seguidas de debate.

Essa metodologia promoveu um encontro mais concreto onde cada participante poderia se sentar no circulo central e trazer sua experiência. Muitos convidados interessantes! Muitas conversas intensas!

Mais do que respostas esse encontro nos trouxe perguntas e reflexões:
Em que momento nós nos desconectamos da natureza?
O que fazer quando a nossa naturalidade (se sentir homem ou mulher, por exemplo) vai contra o que é a norma?
Diálogo é diferente de discussão?
Mediação pode virar procedimento padrão nas instituições? Ou mediação é um acordo comunitário dentro da prática de diálogo?
Até quando os pedagogos permanecerão nesse silêncio obsceno?
E nós? Não somos o sistema?
O que está por traz da agressividade de uma fala?
O que já existe de resposta aos conflitos de um determinado ambiente? Quais funcionam e quais não funcionam?
Qual o contexto que estamos vivendo/trabalhando? É preciso curar a cegueira sistêmica que não nos deixa ver de onde as coisas brotam.

José Pacheco insistiu na afirmação de que a aula não ensina nada e que a escola brasileira tem a síndrome do pensamento único (onde nada pode mudar porque sempre foram dessa maneira) e a síndrome do vira-lata (onde o que é de fora, como modelos e autores, valem mais). Acredita que o mais importante é reunirmos nossas insatisfações relacionadas ao sistema escolar e coletivamente enfrenta-las. Tomar uma escola e modificá-la em vez de tirar os filhos da escola num trabalho solitário. Sente-se desmotivado, pois não vê nenhuma modificação concreta após seus encontros. Fica chocado com a quantidade de crianças infelizes e adolescentes se matando dentro da escola. 

Dominic Barter falou sobre a necessidade de aguentarmos o desconforto do que nos angustia em vez de colocar uma pergunta esperando um resposta salvadora. Muitas vezes quando perguntamos o "como"  delegamos o poder ao outro de dizer o que precisamos fazer. Também é necessário quebrar o silêncio individual, apresentar nossos medos coletivamente e ver o que surge a partir disso. E se tivéssemos coragem de falar : "Tirei o meu filho da escola". "Obrigo minha filha ir para a escola todos os dias". " Sou pedagoga e não tenho coragem de trabalhar na escola pública?"  "O que posso oferecer para o meu filho além da sala de aula?". Colocar nossas perguntas internas para fora permite que mostremos nosso problema para o mundo.
Relacionado ao diálogo ele colocou que é uma conversa entre iguais onde se desconhece o fim. Não temos o poder estrutural sobre a outra pessoa que estamos dialogando. Mas o que acontece geralmente é que entramos numa conversa já com nossos argumentos construídos e querendo convencer o outro do quanto estamos certos. Já temos o final da conversa fechado em nossa cabeça.

Seguindo essa linha, Guto Gutierrez traz a escuta, o sentido e a confiança como estrutura para o diálogo. Não precisamos provar nossa verdade e sim buscar a verdade que existe ente uma pessoa/ideia e outra. A qualidade do pensamento afeta a nossa realidade. Como criar uma conexão para que o outro escute? Uma boa escuta afeta a qualidade do pensamento de quem fala também.

Nas conversas foi colocado também que a perspectiva que gerou/compartilhou um problema não é a mesma perspectiva que vai criar a solução.

Muita informação, muitos desafios, mas o mais importante é poder registrar essas perguntas/reflexões e poder visita-las observando o que vai mudando no nosso cotidiano. Muitas pessoas engajadas em construir uma outra maneira dialogar. Para nós da Casa Escola esse tema é muito importante, pois cotidianamente estamos nos relacionando com as crianças e suas famílias e sentimos muita falta em ter um espaço para cuidar de nós adultos, de nossa escuta e da nossa possibilidade de dialogarmos de maneira sincera e produtiva. Esse encontro apresentou novas perspectivas, agora precisamos aprofundar...

Além dos convidados citados ainda tivemos:
Julio Mafra - psicanalista membro da Escola Letra Freudiana
Sissi Mazzetti  - investiga e trabalha com práticas que promovem o diálogo
Pedro Strozenberg - atua na área de Mediação Comunitária e Segurança Pública.
Cid Alledi - professor de disciplinas ligadas à ética nos negócios, diálogo, governança organizacional, responsabilidade social e sustentabilidade
Dany Garza - Consultora de sustentabilidade e fundadora da ONG Sustentarte,desenvolvendo programas de educação para a Sustentabilidade.




Paquetá

No final de outubro combinamos nosso passeio especial: Paquetá.
Uma ilha no Rio de Janeiro com um clima bem tranquilo, afinal não tem carros passando por suas ruas de terra nem buzinando enlouquecidos para avançar sinais.

Um alívio para os ouvidos e corações tão embotados de cidade grande. Lá conseguimos relaxar, ouvir os passarinhos, abraçar um Baobá, andar de charrete,  ficar simplesmente contemplando as árvores e sentindo a brisa. Um privilégio.

Por isso levamos as crianças para experimentar esse outro ambiente.  E elas aproveitaram cada pedacinho do lugar. Como sempre.

O início já foi uma aventura diferente, pois nos encontramos todos pela manhã (diferente do nosso horário habitual) na estação das barcas da Praça XV. Correria, despedidas dos pais, certificação de que todas as mochilas estavam indo, risadas. Entramos na barca nova, super aconchegante e boa pra ver a paisagem. Apenas um janelão de vidro separava as crianças do mar. Elas ficaram ali olhando a espuma, observando a paisagem que se afastava e a outra que se aproximava, vendo os barcos, dando tchau para os pescadores. Falando sem parar iam construindo seus trajetos. Quando passamos em baixo da ponte Rio-Niterói foi uma alegria de gritos. "Uau! Como é grande!", " Tem ônibus lá em cima." Mil exclamações. Como a barca é nova e o trajeto está mais rápido,  quando menos esperamos já estávamos lá.

Fomos andando até uma pracinha na frente do mar, cheia de árvores e silêncios. No caminho cada criança foi no seu tempo, correndo em dupla, parando sozinha para contemplar um bicho ou pegar um flor, andando de mãos dadas entre elas ou com algum adulto. O percurso teve um tempo longo e seguro. Não precisamos em nenhum momento impedi-las de fazer algo. A rua é o espaço seguro de Paquetá.

Brincamos, subimos em árvores, fizemos "trilhas", descobrimos túneis, conhecemos cavalos e ganhamos cheiros deles, descobrimos túneis de verdade, sentamos para contemplar o mar, conversamos, andamos de charrete, almoçamos na pracinha, jogamos pedrinhas no mar, brincamos de castelo no mirante do parque...

Teve choro também. Soninho chegando, implicâncias por conta de um papel especial, espinhos nos pés, até dor de ouvido e correria pra achar um analgésico teve, mas tudo isso faz parte de estar no mundo. Teve muito companheirismo entre eles. Ajuda pra dar comida, pra fazer a trilha do parque, pra fazer entender algum combinado, pra acolher a dor.

Uma tarde ampla, mas a barca tinha hora e precisamos interromper a magia pra voltar pra casa. Todos exaustos e com as bochechas vermelhas.

A caminhada até as barcas foi longa porque foi lenta... Buscando sombra e flores chegamos. Achamos que eles iam dormir na volta, mas que nada, voltaram falando pelos cotovelos e felizes da vida comendo biscoitos.

Esperamos que eles guardem essa sensação de liberdade e não aceitem nunca viver sem ela.
Esse passeio só foi possível porque, além da educadora, mais três pais/mães se disponibilizaram a concretizá-lo.
Essa Casa Escol só é possível porque somos famílias corajosas (pra não dizer loucas) que acreditam e mudam toda sua rotina em cima da hora pra acolher nossas programações malucas e gostosas.
Gracias a la vida!

 








terça-feira, 3 de novembro de 2015

A escola não pode ser maior que a vida

No dia 24 de outubro a Casa Escola participou de uma aula aberta promovida pela  UNIRIO. O Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil (Cedei), em parceria com o Fórum Permanente da Educação Infantil do Rio de Janeiro (Fpei-RJ), promoveu essa aula  com o tema: Infâncias Brasileiras do campo, da cidade, da floresta: quais projetos de educação infantil, quais espaços, quais pedagogias?  O evento aconteceu no Memorial Getúlio Vargas.

Os convidados foram: Peterson Rigato da Silva, diretor de creche e pré-escola da rede Municipal de Educação Infantil de Piracicaba;  Márcia Ramos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e Léa Tiriba, da UNIRIO e da Fpei-RJ.

Essa aula/encontro foi muito potente, pois nos colocou diante de práticas distintas, que apesar de acontecerem em contextos diferentes do nosso nos é muito familiar, pois fala do desejo de não repetir um modelo no qual não nos identificamos.

Peterson nos mostra sua experiência em deixar as crianças mais livres em um ambiente preparado para elas. Um espaço aberto onde elas podem brincar com terra, ficar só de calcinha ou cueca e se lambuzar na lama, na tinta e na luz do dia. Um contato com o ambiente fora da sala de aula, apesar de ser uma creche convencional.

Marcia Ramos nos tocou com sua força e certeza ao afirmar que a escola que temos não é a escola que o MST precisa/quer. Uma escola que não aceitou a matrícula das crianças que estavam no assentamento por não terem endereço fixo já exclui logo de início tirando todas as chances daquelas crianças estarem na escola. Todas as chances?
Marcia mostrou que não, pois foi através dessa atitude que o MST refletiu sobre que escola eles queriam. 
Na escola do MST o estudo e trabalho caminham juntos. As crianças estão o tempo todo conectadas com a terra, com a luta, com a transformação social, logo a escola fala disso o tempo todo.
A Pedagogia do MST se pauta em três eixos: A escola dentro da realidade do Movimento (" A Escola não pode ser maior que o movimento"); O viés contra hegemônico (fazendo a luta por escola, por terra e por dignidade) e a aproximação com outros movimentos sociais (parceira com os Pioneiros de Cuba)
Eles tem três referências no processo da luta pela educação das crianças: Jornada dos Sem Terrinha; Ciranda Infantil e a Luta pela Educação Infantil nas áreas de assentamento e acampamento.
A infância no MST é pensada e discutida a partir da sua realidade, da luta pela terra, da negação da educação capitalista, das dimensões de uma infância que não está separada das relações sociais, da luta por escola e condições de moradia.

Marcia falou várias vezes: "Queremos escolas sim, mas não essa que está aí!"

A professora Lea Tiriba apresentou parte de sua pesquisa numa aldeia indígena brasileira. O mais interessante de sua apresentação foi ver que tem muita semelhança com a prática do MST, que é não aceitar um modelo universal para um território tão específico. Os indígenas precisam de creches, mas não a creche que foi criada para atender o operário. Eles precisam de um espaço que agregue seu território e sua cultura. Seus rios, estradas de terras e noites com estrelas precisam estar contemplados no dia a dia das crianças.
Ela reflete sobre a necessidade de entendermos que o paradigma não é universal. Que apesar da colonização cotidiana e atual precisamos "buscar o que está submerso, o que sobreviveu e não foi subordinado e escapou à lógica objetivista hegemônica."

As comunidades educativas indígenas, onde os adultos não usam da hierarquia geracional para impor suas regras, onde as educadoras ouvem o ritmo do menino que quer pular no rio, onde a criança não é apresentada aos limites através da palavra dura e sim através de contos, lendas e histórias da sua rede familiar, essas comunidades educativas não podem ser substituídas por espaços escolares hegemônicos e padronizados. 

Lea, assim como Marcia, falou de uma experiência rica e possível, de uma realidade que era para ser conhecida por todos os brasileiros, pois nosso território é extenso e com ricas experiências. 

Não precisamos ficar limitados a aprender pedagogia de um único ponto de vista. Poderíamos ter em nossos cursos uma cadeira de educação indígena, educação no campo e mil e uma possibilidades. Cada realidade grita por uma escola que respeite seu contexto, sua história. O aprendizado só faz sentido quando está dentro da vida de cada um. As crianças tem muita coisa para nos ensinar, os rios, os anciões, as árvores, os rituais, o tempo... podemos aprender muito com o que nos cerca. Mas como diz Lea, só conseguiremos isso quando "superarmos nossa obsessão pelo controle". 

Ficamos pensando muito em dois pontos: como não ser um adulto obcecado pelo poder e impor nosso lógica cotidianamente na rotina das crianças? Como fazer a escola e a vida caminharem juntas? A escola não pode ser maior que a vida, principalmente maior que a vida das crianças, quem sua primeira infância são incontroláveis na busca do novo, da pesquisa, da alegria. 
Esse é nosso desafio. 

Obrigada a essas duas mulheres fortes e corajosas que ampliaram nosso entendimento contando um pouco de suas trajetórias.