Qual seu projeto para uma educação antirracista?
Essa
pergunta iniciou nosso debate, no
dia 10
de junho, na segunda Roda de Conversa promovida pela Casa Escola:
“Reflexões étnico-raciais: Sobre infância e vivências em
coletivo”.
Essa
questão faz parte de uma reflexão importante sobre as relações
étnico-raciais que já a algum tempo nos toca e mobiliza. Como não
é um tema fácil, principalmente quando trabalhamos na educação
infantil, buscamos ferramentas que nos auxilie nesse diálogo, e mais
que isso, buscamos mudanças em nossas práticas.
Desde
2015 iniciamos um processo de diálogo sobre esse tema, após a
entrada de uma família negra no coletivo e da convivência diária
de uma criança preta em espaços de ocupação de maioria branca.
Atentos
a isso disparamos diversos diálogos onde: discutimos os estereótipos
impregnados ao povo negro (episódio da aparição de uma Nega
Maluca na festa junina da CE); apontamos a necessidade de ter a
representação do povo negro nos brinquedos e mundo infantil
(bonecas, princesas,heroínas, livros); investimos em livros com histórias de
crianças, e demais personagens, negros e com as histórias dos Orixás;
fizemos uma apresentação da princesa Alafiá (com Sinara Rubia), seguida de roda de
conversa onde discutimos temas diversos relacionados a negritude e
sua negação no mundo branco, classe média, zona sul que estamos
inseridos;participamos de atividades no Casarão dos Prazeres em
parceria com o projeto Ocupa Escola; fizemos uma chamada específica
para famílias negras participarem do Coletivo e outras famílias
passaram a frequentar nossos encontros e realizamos a
roda de conversa sobre relações etnico-raciais na educação
infantil.
Seguimos planejando novos encontros e buscando referenciais
que nos ajude a empretecer nosso conhecimento e descolonizar nosso
curriculo.A
roda de conversa faz parte dessa rede de estratégias para dar
visibilidade a questão, a presença e a importância do povo negro
no mundo atual, e especificamente, na realidade de nossas crianças.
Para isso convidamos Shirley de Oliveira e Lua Costa para compor esse
debate. Geisa Ferreira e Aline Valentim, mães da CE, educadoras,
artistas
e ativistas também trouxeram suas contribuições.
Aline
Valentim iniciou com essa pergunta “faca no peito”: “Qual a sua
contribuição para a prática de uma educação antirracista?!”
Sim,
porque precisamos nos posicionar!
A
partir dessa indagação e de um texto da poderosa escritora
nigeriana, Chimamanda Adichie, ela nos convida a pensar nos
privilégios do povo branco e na sua insistência em falar em
primeira pessoa mesmo quando o assunto não é a sua experiência. A
ideia é abrir a escuta para o que o negro tem a dizer. Um exercício
pouco feito nos distintos espaços que transitamos.
Geisa
também traz uma pergunta:“Por que precisamos falar de relações
étnico raciais?”
Precisamos
porque RECONHECEMOS que há uma discriminação racial. Discriminação essa que legitima a diferença como algo negativo.
Precisamos porque a representatividade do povo negro
não é equanime em todos os setores da nossa sociedade.
Porque
temos nossos corpos, nossos conhecimentos e nossos pensamentos
COLONIZADOS.
Existe uma desvalorização, desumanização e
desqualificação, ou o não-reconhecimento simbólico das tradições,
saberes e fazeres do povo afro-descendente. E
nós da Casa Escola não queremos ajudar a manter esse cenário.
Reconhecemos
que construímos um projeto que vai contra a hegemonia da educação
tradicional e não queremos reproduzir essa discriminação e as suas
consequências em nossas práticas educativas cotidianas.
Nessa
perspectiva apresentamos os VALORES
CIVILIZATÓRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCAÇÃO INFANTIL como
uma estratégia de tirar do centro o modelo de educação
eurocentrica que seguimos e mostrar que existe outros pensamentos e
saberes nas margens.
Azoilda
Loretto da Trindade, Professora
universitária, supervisora da rede municipal de ensino do Rio de
Janeiro e ativista na luta contra o racismo,
desenvolveu
um trabalho construído sobre os “valores civilizatórios
afro-brasileiros”. Essa
ancestral afirmou que
usar tal expressão é uma
maneira de
destacar a África, na sua diversidade. E que os africanos e
africanas trazidos ou vindos para o Brasil implantaram, marcaram,
instituíram aqui seus valores civilizatórios. Esses valores estão inscritos na nossa memória, no nosso modo de ser, na música,
na literatura, na ciência, arquitetura, gastronomia,
religião, na nossa pele e no nosso coração.
Os
Valores
Civilizatórios
são
princípios
e normas que corporificam um conjunto de aspectos e características
existenciais, espirituais, intelectuais e materiais, objetivas e
subjetivas, que se constituíram e se constituem num processo
histórico, social e cultural.
Trabalhar pedagogicamente, numa
perspectiva afro-brasileira, convida-nos a criar!
Apresentamos,
segundo Azoilda, alguns saberes, princípio e referenciais afro que
podem ser implementados em
nossas práticas educativas. São eles:
(Para saber mais sobre cada um
acesse:
http://www.acordacultura.org.br/sites/default/files/kit/Caderno1_ModosDeVer.pdf)
Continuamos o debate com Shirley de Oliveira, Professora de História
e da Educação Infantil. Shirley contribuiu ampliando nossa gama de autores
e personalidades negras que são invibilizadas nos espaços
educativos. Contou sua história na perspectiva de mãe de duas
meninas negras que estão em contato direto com o racismo nos
diferentes contextos que transitam.
Lua Costa, integrante do Coletivo Nuvem Negra, nos contou sua
trajetória de militância negra e envolvimento com a educação
infantil através de trabalhos desenvolvidos em escolas públicas e
coletivos parentais. Jovialidade e experiência compõem sua fala e
com muita firmeza e seriedade nos apontou diversos assuntos delicados
e necessários de serem debatidos.
A conversa teve vários momentos e tons, compartilhamos desde
histórias pessoais até dados estatísticos, externamos nossos
desejos e medos e nos comprometemos em transformar nosso projeto
pedagógico em um documento vivo que se transforma conforme a nossa
perspectiva se amplia.
Essa
roda de conversa nos desacomodou, nos apresentou novos rostos, nos
trouxe perspectivas outras, questionou o lugar de classe média
branca que estamos inseridos e junto com ele privilégios que o povo
negro não tem.
Gostaríamos de construir uma
prática pedagógica anti-racista, de empretecer nossas ideias,
conhecimentos e práticas, de trazer o referencial do negro em todas
as áreas possíveis para estar na Casa Escola, de conhecer, discutir
e viver os valores do povo negro e apresentar a perspectiva
africana como algo importante, apesar de invibilizada, contribuindo
para ampliar nossos conhecimentos acerca da história do mundo que é
eurocêntrica e naturalizada por tal fato.
Esse
desejo nos mobiliza para dar continuidade a conversa com outros pares
e a construir um espaço educativo que é atravessado de fato pelo
seus integrantes e suas histórias.
Continuamos
tecendo outras atividades e diálogos porque as inquietações são muitas e as perguntas vão abrindo outras perguntas.
Compondo essa rede de estratégias temos também o projeto "Dança Afro em Família" idealizado por Aline Valentim (depois contamos mais!) e a próxima roda de conversa com o Filósofo Renato Noguera.
Seguimos!